O terreno era lindo. Uma vista de tirar o fôlego, dessas que fazem o silêncio gritar. Mas a casa… a casa era uma aberração.
Estávamos visitando o amigo do meu marido, um sujeito que dizia estar *construindo* a casa dos sonhos. Mas o que vi parecia mais uma ruína pós-guerra: vigas expostas, concreto descascando, buracos em lugares que deviam ser janelas. No meio do corredor, um banheiro sem porta, com uma privada sustentada por fita adesiva transparente — uma gambiarra entre o cômico e o trágico.
Enquanto meu marido filmava tudo animado, já imaginando a descrição do anúncio — “potencial incrível, ampla metragem, vista indescritível” —, eu decidi voltar para casa. Não aguentava mais aquele cenário de desastre embrulhado em promessa.
Nossa casa era modesta, pequena como a do Sr. Fredricksen do filme *Up*. Tão de madeira quanto, só que sem balões. Mas era aconchegante. Um quarto, sala-cozinha e banheiro. O investimento principal era o terreno, claro. Ainda sem escritura, mas com uma vista que fazia qualquer burocracia parecer pequena.
Da janela da cozinha, eu gostava de olhar o mar. Era alto o suficiente para ver as pessoas na areia, jogando frescobol, pegando onda, vivendo a vida que parecia sempre a alguns metros de distância de nós. A direita, o mar estava calmo. Mas ao olhar para frente, percebi algo estranho.
As casas dos vizinhos — todas parecidas com a nossa — estavam se movendo. Deslizando lentamente rumo ao mar, como se tivessem ganhado vida própria. Uma a uma, descolavam-se do chão e navegavam como barquinhos sonâmbulos.
A princípio, achei que estavam loucos, brincando de Titanic. Mas então senti o leve ranger do assoalho. Olhei para baixo e compreendi: nossa casa também estava se soltando. Já não havia chão firme. O terreno se tornara líquido. E eu, passageira de uma embarcação involuntária.
O pânico veio como uma onda. Corri para a varanda e comecei a balançar a casa, desesperada para que encalhasse antes de adentrar aquela faixa de mar furioso. Era como se um rio tivesse descido da montanha e aberto caminho pelo continente até o mar, criando uma correnteza que devorava tudo em seu curso.
Com o corpo, com os braços, com os gritos — empurrei. A cada tentativa, a casa girava, arranhava algo sob a água. Mais um esforço. E outro. Até que a lateral encontrou a areia fina da praia e, como uma prancha de surfe, a casa parou. Encalhada. Salva.
Saí correndo. Estavam lá, meu marido e o amigo. O primeiro me abraçou, os olhos vermelhos como se estivesse me velando. De longe, todas as casas pareciam iguais. Ele achou que a nossa já tinha virado naufrágio.
Decidimos ali mesmo: nada de construir naquele terreno. Talvez aquele fenômeno não fosse um acidente. Talvez fosse um aviso. A natureza tem seus próprios modos de dizer: Vocês foram longe demais!