Marta lembrava com clareza dos primeiros anos de seu relacionamento com Rafael. Eles eram jovens, apaixonados, e tudo parecia simples. Mas, à medida que os anos se passavam, algo na relação começou a mudar.

Eles estavam juntos havia cinco anos quando Marta finalmente tocou no assunto que a atormentava há tempos: ter um filho. A reação de Rafael foi dura, quase violenta. Ele dizia que não estava preparado, que o trabalho o consumia demais e que a ideia de uma criança atrapalharia tudo. Era sempre assim: uma desculpa diferente para evitar o assunto.

No início, Marta tentou entender. Tentou relevar e se convencer de que ele precisava de tempo. Mas os anos passavam e as desculpas só se acumulavam.

A vontade de ser mãe crescia dentro dela como um vazio que nada mais preenchia. Via suas amigas engravidarem, formarem famílias, e sentia um aperto no peito. Não era apenas o desejo por um filho, mas a sensação de que sua vida estava estagnada. Rafael parecia cada vez mais distante, enterrado no trabalho e nos compromissos que sempre colocava acima de tudo.

Certa noite, Marta respirou fundo e tentou novamente.

— Rafael, precisamos conversar. — Sua voz estava calma, mas carregada de expectativa.

Ele suspirou, sem tirar os olhos do celular.

— Sobre o quê?

— Sobre nosso futuro.

Rafael passou a mão no rosto, impaciente.

— Marta, já falamos disso antes. Agora não dá. O escritório está um caos, e eu não tenho tempo nem pra dormir direito.

— Mas quando vai ser o momento certo? Você sempre tem uma desculpa. — A voz dela vacilou, mas se manteve firme.

— Não é desculpa, é realidade. Você sabe como está difícil. Por que insistimos nisso agora? — Ele se levantou do sofá, como se quisesse encerrar a conversa ali.

— Porque eu quero ser mãe, Rafael! — Marta ergueu a voz, sentindo a frustração transbordar. — E sinto que, se esperarmos mais, isso nunca vai acontecer.

Ele esfregou a nuca, evitando encará-la.

— Eu só… não estou pronto. Preciso de mais tempo.

— Eu sou mulher, Rafael. O teu tempo não é o mesmo que o meu.

Dessa vez, a conversa tomou um tom mais definitivo. Ficou claro para Rafael que não se tratava mais de promessas vazias, mas sim de uma necessidade irrevogável de Marta.

Isso fez Rafael pensar e reconsiderar sua decisão. Aos poucos, foi mudando de postura e, por fim, disse a Marta que faria sua vontade.

E assim aconteceu. Marta parou de tomar seus remédios e o casal se comprometeu a tentar engravidar. Não demorou muito: em menos de um ano, Marta estava grávida. Sua felicidade era inexplicável. Mas, à medida que a gravidez avançava, o temperamento de Rafael tornava-se cada vez mais errático e inconstante.

Rafael alternava entre momentos de puro amor e companheirismo e fases em que bebia muito e se tornava agressivo, tanto com ela quanto com o filho. O comportamento instável e violento só piorava com o passar dos anos. Marta se culpava. Pensava que talvez tivesse forçado Rafael a aceitar algo que ele não queria de verdade. E, por esse pensamento, permitia-se suportar os momentos ruins, acreditando que o amor que ele demonstrava nos bons dias era prova de que ainda havia esperança.

Com o tempo, Rafael passou a desaparecer de casa por um ou dois dias sem dar explicações. Marta não o questionava, porque, invariavelmente, quando voltava, ele estava carinhoso, trazia presentes e a tratava com amor e ternura. Levava o filho para brincar na pracinha. Então, quando ele sumia, ela sentia um misto de alívio e expectativa, esperando quantos dias durariam os momentos de felicidade antes da próxima recaída.

Intrigada com a vida conturbada da amiga e cansada de vê-la sofrer, Beatriz decidiu desmascarar Rafael. Para ela, um homem que voltava para casa completamente transformado só podia estar escondendo algo. Determinada a descobrir a verdade, começou a segui-lo.

E foi assim que Beatriz encontrou as respostas que temia. Viu Rafael chegando a outra casa, onde foi recebido por uma mulher com um beijo. Depois, duas crianças mais velhas que o filho de Marta correram para abraçá-lo. Ele ficou ali como se fosse sua própria casa. Estava claro para Beatriz: Rafael tinha outra família.

Beatriz precisava contar a verdade para Marta. Marcou um café com ela, sem saber exatamente como começar.

— Amiga, preciso te contar uma coisa — disse Beatriz, hesitante.

— Eu também tenho novidades, amiga. Estou grávida.

A notícia atingiu Beatriz como um golpe no estômago. Como poderia contar para sua amiga que o marido, que agora estava realizando o sonho dela de se tornar mãe novamente, escondia outra família?

Beatriz respirou fundo. Não podia destruir Marta naquele momento. Não agora. Então, quando a amiga perguntou o que ela queria dizer, Beatriz desconversou.

Decidiu esperar. Esperar até que Marta estivesse mais forte para enfrentar a verdade.

Mas Marta não precisou esperar muito para descobrir por si mesma. Cansada das mentiras, confrontou Rafael naquela mesma noite. Ele suspirou, cansado, e enfim revelou a verdade.

— Marta, eu tenho um irmão gêmeo. A família que você acha que é minha… é dele. Mas há algo mais. A nossa família também é dele.

Marta franziu o cenho, confusa.

— Como assim?

— Quando eu sumia, quem voltava para casa feliz, carinhoso e atencioso… não era eu. Era ele. — Rafael abaixou os olhos. — Ele é o pai das crianças, inclusive dos nossos filhos.

O mundo de Marta desmoronou. As mudanças bruscas de humor, os momentos de ternura intercalados com frieza… tudo fazia sentido agora. O homem que ela amava, que a fazia se sentir segura… nunca foi Rafael.

— O nome dele é Gabriel. — Rafael continuou, a voz pesada. — Eu nunca pude ter filhos, Marta. Então, com medo de te perder, pedi que Gabriel se passasse por mim… e que ele te engravidasse.

Marta sentiu o chão desaparecer sob seus pés. Quem ela havia amado esse tempo todo? Quem era o homem que ela esperava nas noites de ausência? Quem era o pai de seus filhos? Uma avalanche de dúvidas e dor tomou conta de seu peito. Ela olhou para Rafael, tentando enxergar nele algum resquício do homem por quem se apaixonara um dia. Mas ele parecia um estranho.

A culpa corroía sua mente. Como nunca havia percebido? Como aceitara aquela alternância de humor sem questionar? Seus dedos tremiam, sua respiração estava pesada. A verdade era esmagadora.

Mas, o pior de tudo, foi ouvir Rafael dizer:

— No começo era só um plano, mas Gabriel se apaixonou por você. E agora temos não uma, mas duas famílias destruídas.