Era o maior espetáculo da cidade. Toda noite, famílias apinhavam-se sob a grande tenda colorida, ansiosas pelo desfile de acrobatas, malabaristas e mágicos que se sucediam no picadeiro. Mas o verdadeiro motivo para aquele alvoroço tinha nome e, sobretudo, fama: Pipo, o Palhaço.
Curiosamente, ninguém sabia dizer ao certo o que Pipo fazia em seu número. Alguns juravam que ele arrancava gargalhadas tão intensas que faziam até os mais carrancudos derramarem lágrimas de alegria. Outros falavam de truques absurdos, números imprevisíveis e piadas que pareciam lidas da mente do próprio público. Mas uma coisa era fato: quando Pipo finalmente surgia, a plateia era dele.
No entanto, ele sempre chegava atrasado. E não era qualquer atraso — era como se fizesse parte do espetáculo. Quando finalmente aparecia, vinha carregando uma marmita velha e amassada, a tampa balançando enquanto ele marchava pelo corredor principal com um olhar que não combinava com o personagem que todos esperavam.
Longe dos holofotes, Pipo não era o tipo de pessoa que alguém gostaria de encontrar. Sua voz era ríspida, os gestos impacientes e, para todos que tentavam dirigir-lhe uma palavra, ele respondia com grosserias secas. O fato de não estar caracterizado parecia despojá-lo de toda a simpatia que o nome Pipo carregava.
Apesar disso, havia algo peculiar sobre ele: Pipo adorava falar sobre comida. Sempre que tinha a chance, descrevia receitas exóticas e preparos minuciosos, com um entusiasmo quase obsessivo. Era capaz de descrever um prato com tanta paixão que quase tornava o assunto hipnótico. E ele sempre oferecia sua comida para quem estivesse por perto, insistindo com aquele olhar fixo e desconfortável.
— Experimente, é a melhor carne que você já vai provar — dizia ele com um sorriso que oscilava entre amistoso e ameaçador. E, quando recusavam, ele ria como se aquilo fosse parte de uma piada secreta que só ele entendia.
Os outros artistas comentavam entre cochichos que Pipo tratava a todos como peças descartáveis, ignorando pedidos de ajuda ou qualquer tentativa de aproximação. A única coisa que parecia despertar sua simpatia era quando o assunto envolvia comida. Ali, ele era capaz de discorrer por horas sobre temperos e cortes, sempre se oferecendo para compartilhar um pedaço do que havia preparado.
Eu precisava descobrir quem Pipo realmente era.
Após o espetáculo de uma noite qualquer, tomei coragem e pedi uma carona para o palhaço rabugento, já esperando uma negativa ríspida. Para minha surpresa, ele aceitou. Mais do que isso, disse que adoraria me levar para jantar em sua casa. Foi extremamente gentil, uma gentileza que arrepiou até o último fio de cabelo que eu tinha. Que atitude estranha, pensei. Não combinava com esse cara ranzinza que mandava todos longe.
O medo se sobrepôs à curiosidade, e inventei ter esquecido algo no circo e que precisaria demorar muito para ir embora, prometendo deixar o nosso “encontro” para outro dia.
Voltei para o circo, mas segui observando. Quando Pipo entrou em seu carro, o desastre começou. Ele bateu em mais três veículos no estacionamento, discutiu ferozmente com dois pais de crianças e, finalmente, arrancou o carro para longe.
Minha curiosidade já era uma obsessão. Segui o carro de Pipo até sua casa, uma construção sombria e negligenciada. As paredes descascadas e janelas empoeiradas davam à casa um ar de abandono absoluto. Lá dentro, apenas caos: móveis quebrados, roupas sujas espalhadas e um cheiro persistente de podridão.
Então, o circo partiu para uma cidade vizinha por alguns dias. E eu vi ali a minha chance. Invadi a casa de Pipo na manhã seguinte.
A bagunça que eu já conhecia pela janela não me surpreendeu. O que me surpreendeu foi o cano de grande circunferência que emergia do chão da sala, uma abertura que se elevava aproximadamente dez centímetros acima do piso. Qualquer descuido e a pessoa podia tropeçar e cair naquela escuridão que parecia engolir qualquer coisa desavisada. Imaginei que o cano levasse para uma espécie de porão.
Arrastei um móvel e descobri uma portinhola oculta no chão. Ao abrir, uma escada de madeira velha e rangente se apresentou diante de mim. O cheiro pútrido e insuportável me atingiu com força.
Desci trêmula e logo vi a origem do cano: ele dava para um processador enorme, coberto de manchas antigas e recentes. Pedaços de carne humana repousavam ali, como se fossem descartes de um ritual horrendo. A repulsa tomou conta de mim, e a vontade de vomitar e correr se apoderou do meu corpo.
Subi as escadas desesperada e abri a portinhola. O som de uma chave girando na fechadura me paralisou.
Pipo entrou pela porta, os olhos imediatamente focados em mim. Seu sorriso era puro sadismo.
— Então, a curiosa decidiu explorar… — disse ele, com uma calma inquietante. — Devia ter aceitado o jantar. Teria sido menos doloroso.
O confronto foi brutal. Pipo avançou com ferocidade, os olhos injetados de loucura. Peguei um abajur e o acertei na cabeça. Ele cambaleou, mas continuou avançando, praguejando e rindo. Me arrastei para a porta, mas ele me segurou pelos cabelos e me empurrou para perto do cano.
Com um impulso desesperado, chutei sua perna e ele caiu de joelhos. Peguei uma calça jogada no chão e, no último segundo, consegui enroscar o tecido ao redor de suas pernas, puxando com toda a força. Pipo tropeçou e caiu direto no cano, seus gritos se misturando ao som abafado do metal.
Ainda tremendo, saí da casa correndo. O cheiro pútrido ainda impregnado em mim. Fugi para o mais longe que pude, sabendo que jamais esqueceria o que havia descoberto.
O circo nunca mais foi o mesmo.